domingo, 23 de novembro de 2008

RESSURREIÇÃO

Na fria noite
Da cidade grande
Sob a marquise dormem
Um velho, um menino e um cachorro

Sobre pedaços de papelão
Suave colchão

Zunindo em tropel de cavalaria
Passam carros projetando luminosas cores
Rumo aos úteros da noite


Na calçada
Pétrea
Namorados, bêbados, turistas
Advogados, porteiros, travestis, prostitutas
Garçons, oftalmologistas
Protestantes, balconistas e maçons
Seguem em procissão

Passam todos
Caudaloso rio de carnes com botões
Celulares, canetas, carteiras, cigarros
Acesos
Pontinhos pirilampos


E óculos para longe
Para perto

Lentes sem contato


Ninguém percebe os três corpos
O do velho, o do menino, o do cachorro
No papelão
Sob a marquise da cidade grande
Fria
Dentro da noite anônima

Asfáltica.

Mas eis que amanhece

[Sempre amanhece
Mesmo que não haja sol]


Honey Bee Blue
A noite se foi
A Lua se apagou

E o velho
Zarolho
Fita o menino
Com seu único olho
Deep blue

Sorriem

O cachorro ressuscita
Levanta-se sobre as quatro
Pernas cambetas
E balança o rabo quando os vê.

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