terça-feira, 30 de junho de 2009

MOONWALK DEMEROL

na escuridão do meu quarto
vi pela janela aberta
à imensidão do mar da noite
[em clarão entre estrelas diamantes]
Michael Jackson deslisando
num relâmpago
manto
bordado de pirilâmpagos
leve pluma
bailava cantando
Children's Corner
[Claude Debussy ao piano]
Demerol! gemia sua alma
Demerol! Demerol! suplicava
no infinito vazio espacial
suavemente elétrico
pop moon sentimentos
[catedral submersa]
contemplava a Terra
never
Neverland
never again
Demerol! Demerol!
vi subir no seu rumo
numa névoa fosforescente
de Adriana Calcanhotto
meiga prece
"Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem"
Demerol! Demerol!
Michael Jackson sapateava
passos Charles Chaplin
o corpo se contorcia
rodopiava
subia
descia
embriagados jazz and blues
no céu melodia
e serenatas de Mozart
Demerol! Demerol!
Harlem
Morro Dona Marta
Ladeira do Pelourinho
Los Angeles
"They don't care about us"
Demerol! Demerol!
Peter Pan ao lado
brincava enigmas
soprava flauta
havia canto de crianças
grande encanto
Michael Jackson
assobiava "Black or white"
rock
funk
soul
Demerol! Demerol!
quero colocar Michael Jackson
no meu colo
para ninar o menino
que os duros adultos não entenderam
vou espantar seus medos
pesadelos
para ele dormir sereno
e cantarei baixinho
junto aos seus ouvidos
Lullaby of Broadway
"This is it"
desceu a cortina final
that is all
Demerol! Demerol!

sexta-feira, 26 de junho de 2009

AMOR ABSOLUTO - UMA HISTÓRIA REAL

Na cidade de Petrópolis (Rio de Janeiro) um cartaz do tamanho de meia página de jornal está espalhado por alguns lugares públicos. Mostra a fotografia de Tatiana, 28 anos, casada e mãe de dois filhos; um deles, ainda bebê, está ao seu lado. Tatiana está com leucemia e procura doadores de medula óssea para continuar viva. Ela é ruiva, bonita, tem o rosto magro e abatido. Tatiana sorri.
Logo abaixo há uma outra foto; o seu marido e o outro filho - de aproximadamente sete anos - seguram uma faixa onde está escrito: ''Troco qualquer órgão do meu corpo por medula óssea compatível à de minha esposa. Só não posso trocar o meu coração, porque pertence a ela". Ambos estão sorrindo.
O casal pode ser contatado pelos telefones (24) 8811-1720 e (21) 2242-8100

sábado, 13 de junho de 2009

PAIXÃO VAMPIRO

Quando você estiver dormindo
no morno ninho do leito
penetrarei pela janela de seu quarto
num raio de luz insuspeito

Sobrevoarei seu corpo todo
lentamente
no vaivém vaga-lume
feito barco em busca do porto

Feito ser demente
ambulante
na névoa da noite
em becos e vielas tenebrosas

Cuidadosamente
como faz o vampiro
afastarei o cabelo
ao redor do seu ouvido

Para murmurar
na cadência
do mais puro encantamento
a serenata da essência
do completo amor sem fim


















quinta-feira, 11 de junho de 2009

BILHETE

Se não houver estrelas, se a noite for escura e os gatos não estiverem
percorrendo muros e telhados - silenciosas sombras - não me
telefone, por favor. Gosto de brilhos noturnos, dos felinos
em seus passeios macios e amores discretos - sempre
no alto das casas, com miados violinos entremeados de oboés.

Nas noites de lua reluzente, ouço Sarah Vaughan cantando
I get a kick out of you, e bebo champanhe abraçado
à minha amante; contemplamos o horizonte e nos beijamos
na varanda enluarada; Romeu e Julieta tropicais. Além de nós,
não há mais nada. Assim, não bata à minha porta, jamais.

Em meio a relâmpagos e explosões de trovão no céu noturno,
arrumo livros nas prateleiras; minhas doces lembranças, meus desencantos,
encontros e desencontros. Guardo na gaveta fotografias de pessoas queridas, outras nem tanto. Organizo cartas escritas para não sei quem, poemas que ninguém leu. Empilho num canto roupas usadas - em festas e solenes casamentos. Depois, apago todas as luzes do apartamento, me deito e mergulho em olímpico salto no meu mais profundo dentro. Nessas noites, não me procure; busque um bar repleto de música porque o amanhecer será suave na meiga brisa do mar. Então, nos encontraremos na esquina daquela rua onde o sol afasta a lua.




segunda-feira, 8 de junho de 2009

OLHAR INFINITO

Sobre nós dois, desce lentamente - suave cortina - uma neblina violácea
interposta verticalmente entre a mesa do bar
e o céu noturno, vazio de sons. Olhamo-nos em igual silêncio
aquele estranho silêncio
do ronco rítmico do mar.

E nossas mãos
se tocam levemente em torno de taças, garrafa de vinho
e uma rolha caída sobre a branca toalha de linho.
Olhamo-nos.

Há uma certa alvura
própria da loucura
em nossa maneira de olhar.
Estamos num bar, mas poderíamos estar num mosteiro no Sri Lanka
meditando sob mantos alaranjados, pernas cruzadas
olhos fechados.

Mas nos olhamos em jogos de espelho
a multiplicar infinitamente o próprio reflexo, pouco importando o sentido
o nexo
da rolha tombada sobre a alvura
porque há uma certa loucura
em nossa maneira de olhar

Nossas mãos
se tocam levemente.